A poucas semanas do final do turbulento ano de 2020, estamos nos aproximando de um período conhecido por grandes descontos e promoções: as compras de final de ano que começaram a ganhar força a partir do final de novembro com a Black Friday e que se estenderão até o Ano Novo. Neste ano de pandemia e novos hábitos de consumo, o destaque novamente será o crescimento das vendas por e-commerce, similar ao que ocorreu nessa Black Friday, no qual as vendas por meios digitais superaram as lojas físicas pela primeira vez. Contudo, muito se fala sobre as táticas usadas para atrair os clientes a partir da ciência de dados, porém, pouco é dito sobre os estudos comportamentais que servem de base para a aplicação da análise de dados.

Provavelmente você já fez uma compra de um produto que não planejou comprar ou simplesmente já adentrou uma loja que lhe pareceu convidativa e acabou algo que não precisava. Não se culpe. Há muita lógica envolvida nessas situações. Nas palavras de Zellermayer, autor de “A dor de pagar”, todos somos avessos à perda. É por isso que as lojas buscam, a todo momento, reduzir essa “sensação de gastar dinheiro”, com táticas como compras por plataformas de transações ou uso do cartão de crédito. E há muitas e muitas lógicas de como a ciência é aplicada a lógicas promocionais.

Por exemplo, é comum as lojas anunciarem promoções como “Dois pelo preço de um”, “Descontos de até 80%” e “De 20 a 50% de desconto”. Expressões como essas mudam a percepção de quem está comprando e parecem mais atraentes, mesmo para quem não saiu ou clicou numa página com o objetivo claro de comprar. Estudos presentes no artigo científico “A meta-analysis of the impact of price presentation on perceived savings” de Aradhna Krishnaa, Richard Brieschb, Donald R. Lehmannc e Hong Yuan, apontam que mostrar o percentual de desconto de uma mercadoria, torna a possibilidade de efetivação da compra mais viável, uma vez que é alterada positivamente a percepção da clientela.

Um outro ponto que vale a pena ser mencionado, é o de comparação: “De R$ 999,00 por R$ 699,00”. Em casos assim, o preço que antes poderia ser considerado elevado, agora se apresenta como mais acessível, oferecendo vantagem e não o sentimento de perda e a “dor de gastar dinheiro”. No e-commerce, muitos sites mantêm os valores originais para destacar descontos. Da mesma forma, a comparação pode ocorrer entre concorrentes. “Aqui, por R$ 699,00, na concorrência, R$ 999,00”. Em ambos os casos, os estudos comprovam que quando há um preço para ser usado de referência, a percepção do consumidor sobre a economia é aumentada. O que é curioso de fato, é que nas duas situações, mesmo quando os compradores apresentem dúvidas sobre a veracidade das informações ou desconfiança na loja, eles ainda assim tendem a efetuar a compra.

Uma outra teoria consagrada é o “Modelo de Elaboração e Probabilidade” formulado pela dupla Richard E. Petty e John Cacioppo nos alerta sobre a existência de duas rotas no nosso cérebro: a central e a periférica. A primeira, é uma situação na qual o comprador analisa o produto e avalia os prós e os contras de efetuar a transação. Já o segundo cenário é onde encontramos casos como promoções de Natal, fim de ano e toda promoção que tenha como base uma data comemorativa. Nessas situações, a decisão é orientada por algumas heurísticas inconscientes, como a pressão do tempo. Frases como “Somente até o próximo final de semana” conseguem balançar até mesmo aqueles que se consideram mais econômicos.

Compras que são realizadas seguindo essa segunda narrativa, no geral, são feitas no calor no momento, uma vez que eles não têm tempo hábil para avaliar se a decisão é certa. Lembrou de exemplos como as ofertas relâmpago da Amazon? Pois é exatamente disso que se trata. Com o tempo ao seu lado, muitas companhias conseguem atingir pessoas que não têm um grande envolvimento com a marca ou com o produto em si.

Para dar um último exemplo, imagine que você está em uma loja e se depara com produtos muito parecidos. O produto A custa R$ 20,00 enquanto o produto B está saindo pelo valor de R$ 60,00. Embora parecidos, algo pode te inclinar a adquirir o produto B. Mas por que isso acontece? Basicamente, porque somos a todo momento impactados por estímulos que visam incorporar gatilhos comportamentais em nós, nos fazendo dar preferência a um produto em detrimento de outro seja por acharmos que produtos mais caros têm mais qualidade, pelo posicionamento de uma marca no mercado, ou simplesmente pela maneira como o ambiente que o produto se encontra é pensado.

O nome disso é “Efeito Priming”, um fenômeno cognitivo muito explorado por estudiosos como o nobel de Economia Daniel Kahneman. Na prática das dinâmicas promocionais, algumas informações expostas servem como um gatilho mental, um estímulo de ancoragem que influenciará a decisão de consumo, mesmo que o consumidor não se dê conta que está sendo influenciado. Por isso, é importante ter em mente que as nossas decisões nem sempre são totalmente racionais, mas sim tomadas a partir do resultado de uma cadeia de estímulos.

Esses são apenas alguns exemplos de como existe muita ciência por trás das promoções nesses grandes momentos do varejo internacional. Talvez, para muitos anunciantes essas técnicas sejam muito mais intuitivas do que conscientes. Mas, o fato é que o poder da ciência aliado ao poder do big data podem promover, de um lado do balcão excelentes performances de vendas e, de outro, impulsos de compras para além do que já somos naturalmente inclinados. Para os consumidores, consciência no consumo é a única saída. Para as marcas, vale sempre o lembrete de que grandes poderes demandam grandes responsabilidades.

Felipe Senise é Partner & Head of Strategy da Ilumeo e Sócio Diretor na Sandbox Escola de Estratégia

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